Em 2021, o aumento da conta de luz pesou no bolso dos consumidores e teve reflexos no preço de vários produtos. A má notícia é que, mesmo com o ano chegando ao fim, o problema não vai acabar: segundo especialistas, os consumidores sentirão os efeitos da seca de agora em 2022 e, provavelmente, nos anos seguintes também. O país passa pela maior seca em 90 anos, o que tem prejudicado a geração de energia por usinas hidrelétricas. Essas usinas respondem por 63,2% da capacidade instalada do Sistema Interligado Nacional, que atende a maior parte do país. Com isso, os custos para a geração de energia aumentaram. O problema é que a conta paga pelos consumidores não está sendo suficiente para bancar esses custos mais altos, e esse déficit não será resolvido em 2021.

Segundo os cálculos mais recentes da TR Soluções, uma empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia, a conta das bandeiras tarifárias (uma taxa usada para compensar o aumento dos custos de geração) fechará o ano com saldo negativo de R$ 13,89 bilhões. As bandeiras tarifárias foram criadas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) para repassar aumentos no custo de geração de forma mais rápida aos consumidores. Sem as bandeiras, o aumento acontecia só no reajuste anual da tarifa, o que acabava sobrecarregando as distribuidoras.

Em 2020, por causa da pandemia, a bandeira não foi aplicada mesmo com a geração de energia prejudicada pela seca. Em 2021, a taxa voltou a ser cobrada —mas, por algum tempo, o valor foi inferior ao que seria necessário. Hoje, o consumidor paga um extra de R$ 14,20 por 100 kWh consumidos.

Empréstimo a distribuidoras só adia aumento

Na metade de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou uma Medida Provisória permitindo a realização de um empréstimo para que as distribuidoras possam arcar com os custos extras provocados pela crise hídrica. Segundo Diogo Lisbona, pesquisador do Ceri (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura), da FGV (Fundação Getulio Vargas), esse empréstimo deve diluir o repasse aos consumidores, mas isso não significa que a conta não vá chegar em algum momento.

Isso deve mitigar um pouco [o aumento], mas a alta [da conta de luz] vai vir em algum ponto. No fim, o aumento vai ser diluído ao longo dos próximos anos, o que significa que vamos carregar a conta por mais tempo. Em 2023 e 2024, ainda teremos a herança de 2021.

Diogo Lisbona, do Ceri/FGV

Segundo cálculos da TR Soluções, se o empréstimo for de R$ 15 bilhões, o reajuste médio das tarifas de energia no ano que vem deve cair dez pontos percentuais. Mesmo assim, a conta vai subir, em média, 13%, de acordo com as estimativas da empresa.

Estamos falando de um empréstimo em um momento em que os juros estão subindo. Isso vai gerar um custo que será carregado para o futuro. Mas é claro que o governo vai evitar que haja um reajuste elevado na conta de luz em um ano eleitoral. [Fazer isso] é uma tendência de todo governo.

Diogo Lisbona, do Ceri/FGV

Chuva pode ajudar a não aumentar o problema

Se chover pouco em 2022, o cenário pode piorar ainda mais. Mas, por enquanto, as previsões não são pessimistas. Em dezembro, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) elevou as projeções de chuvas em dezembro para hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste. Antes, o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) já havia divulgado uma previsão em que aponta para chuvas acima da média para o sul de Minas Gerais e o norte de São Paulo, onde ficam importantes reservatórios do setor, para os meses de março e abril de 2022.

André Cavalcante, CEO da Elétron Energy, uma comercializadora de energia, diz que o final de 2021 já foi melhor do que se esperava. No início do segundo semestre, havia o temor de que o país pudesse ter racionamento ou mesmo apagões por causa da falta de chuva.

Estávamos com a expectativa de que novembro fosse o pior mês em termos de reservatórios, mas as chuvas surpreenderam. Iniciamos uma recuperação. Agora temos que esperar para ver como serão os próximos meses.

André Cavalcante, da Elétron Energy

Mais termelétricas pressionam a conta

Mesmo que chova, a conta de luz deve aumentar não só pelo passivo de 2021, mas também porque novas despesas já estão contratadas para o futuro. É o caso da instalação obrigatória de usinas termelétricas, que está prevista na lei que permitiu a privatização da Eletrobras. Para Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, uma entidade que realiza estudos sobre o setor elétrico, não haverá outra forma que não repassar a alta aos consumidores.

Não há como acabar com o custo por decreto. Já tivemos momentos trágicos da nossa história em que se tentou fazer isso: baixar a conta de luz por medida provisória [durante o governo de Dilma Rousseff (PT)]. Um ano e meio depois, isso voltou na forma de uma explosão tarifária que foi muito massacrante.

Claudio Sales, do Instituto Acende Brasil

Fonte: UOL Economia – 24/12/2021